A deturpação do inferno

Hoje, vou abordar um tema polêmico: como a ideia de inferno, como muitas pessoas a compreendem, foi sendo deturpada ao longo do tempo. A visão começou com o Novo Testamento, escrito cerca de uma geração depois dos acontecimentos nos evangelhos. Estes textos foram bastante populares entre diferentes grupos de cristãos primitivos, mas, com o decorrer do tempo, foram sendo moldados de acordo com as necessidades da Igreja. É interessante notar que a palavra grega “Kolasis” (que aparece bem pouco) trazia uma ideia diferente. A mensagem original de Jesus era de um destino bem diferente para os ímpios.

Nos textos, há muitas referências ao “reino dos céus” ou ao “paraíso”, mas também se fala de pessoas sendo lançadas na “Geenna”. Esse termo, traduzido de forma equivocada para “inferno” em inglês, vem do latim e se refere ao Vale do Hinom. Esse lugar, na época dos cananeus, era usado para sacrifícios.Na época de Jesus, “Geenna” era um símbolo de condenação, mas não tinha o mesmo sentido do “inferno” como imaginamos hoje.

Outra curiosidade é que o significado original da palavra “Kolasis” era algo mais próximo de “correção” ou “castigo”. No entanto, ao longo do tempo, no contexto cristão, esse termo acabou ganhando um significado escatológico e passou a ser entendido como sinônimo de um lugar de tormento eterno. Essa mudança mostra como interpretações e traduções podem transformar completamente o seu entendimento.

Ao analisar o Vale do Hinom, é relevante notar que este local, mencionado em livros como Neemias 11:30 e Josué 15:8, era muito mais do que uma simples localização geográfica. Nas passagens de Jeremias 7:31-32, 19:2-6 e 32:35, ele é retratado como um lugar onde práticas terríveis aconteciam, incluindo o sacrifício de crianças a Moloque. A tradição dizia que o vale seria transformado em um “vale de massacre”, onde os corpos seriam deixados para servir de alimento para aves e animais. Esse cenário de destruição tornava o local ainda mais temido e amaldiçoado.

O mais curioso é que este vale, começou como um espaço físico e depois passou a ser um símbolo muito mais forte de punição e condenação, foi mal interpretado pela igreja e com o tempo, tornou-se conectado com um tipo de “inferno” que foi além do estado da morte em si, mas um lugar de dor e desolação, e depois impregnou nas tradições religiosas mais do que qualquer coisa a que se pudesse ter ido originalmente.

Havia um local físico, o Geenna, que era um lixão, onde os corpos dos criminosos mortos também eram jogados. Para o conglomerado, para assegurar a morte completa, alguns usos de enxofre do corpo eram apenas para fins higiênicos. Dessa forma, Jesus descreve Geenna como o lugar em que, conforme a profecia judaica, o corpo dos desafiadores de Deus era deixado sem vida, a fim de ser consumido para evitar a morte pelo fogo incessante.

Após a publicação do Novo Testamento, muitos cristãos aceitaram a crença na Segunda Vinda, na ressurreição dos justos e no julgamento eterno, embora alguns se apegassem à ideia de um milênio. Podemos olhar para o escritor de 2 Pedro 2:4, que usou uma palavra grega para expressar a mesma ideia. Ele disse que anjos e pecadores são punidos nas correntes do Tártaro, onde os Titãs são mantidos para morrer.

Bibliografia:

  1. Bauckham, Richard. 1988.O Apocalipse de Pedro: Um Relato de Pesquisa.
  2. O Destino dos Mortos: Estudos sobre Apocalipses Judaicos e Cristãos. (Suplementos ao Novum Testamentum 93.) Leiden: Brill.
  3. The Origins of Christian Hel – Dimitris J. Kyrtatas
  4.  Bauckham 1998:97-118, com paralelos das tradições egípcia e grega.

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